A evolução do entendimento judicial sobre a negativação de marcas em plataformas de anúncio
- Diogo Dias Teixeira
- 3 de abr.
- 4 min de leitura
Introdução
No contexto atual do marketing digital, sobretudo nas estratégias envolvendo mídia paga em plataformas como o Google Ads, tornou-se cada vez mais relevante a discussão sobre a legalidade do uso indireto de marcas de concorrentes.
A controvérsia ganhou contornos mais precisos após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificar o entendimento de que a eleição deliberada de marca registrada de concorrente como palavra-chave, salvo situações excepcionais, configura ato de concorrência desleal (o mesmo racional se aplica ao uso de nome empresarial e domínio de terceiros). A partir dessa orientação, emergiu uma nova indagação enfrentada por profissionais das áreas jurídica e publicitária: é juridicamente necessário negativar palavras associadas a marcas de terceiros para evitar que anúncios sejam exibidos em buscas que as contenham?
Nesse ponto, é importante esclarecer o que se entende por negativação — também conhecida como negative match ou opt-out. Trata-se de uma parametrização técnica realizada pelo anunciante dentro da plataforma de anúncios, por meio da qual se indica que determinados termos ou expressões não devem ativar a exibição de anúncios. Na prática, ao negativar a expressão, o anunciante assegura que seus anúncios não aparecerão quando essa marca for buscada, ainda que a pesquisa seja algo como “quais são as alternativas ao produto XYZ?”.
Essa técnica se contrapõe à chamada “correspondência positiva”, na qual o anúncio é exibido sempre que a busca do usuário corresponder (de forma ampla ou exata) à palavra-chave selecionada ativamente. A negativação pode ser configurada em diferentes níveis — ampla, de frase ou exata — o que influencia diretamente os efeitos práticos da campanha, tanto em termos de exibição quanto de alcance e eficiência comercial.
Sob o aspecto jurídico, a questão da negativação se insere no campo da concorrência desleal e da propriedade intelectual, levantando debates quanto aos limites entre práticas legítimas de publicidade digital e condutas potencialmente ilícitas. Diante disso, o Poder Judiciário brasileiro passou a enfrentar progressivamente esse tema, permitindo traçar uma linha de evolução jurisprudencial que, recentemente, culminou com a consolidação de um entendimento há muito tempo defendido pelo nosso escritório: inexiste obrigação legal de negativar marcas de terceiros!
A Jurisprudência sobre o Uso de Marcas de Concorrentes como Palavra-Chave
23.08.2022 – Ênfase na eleição da palavra-chave (STJ – REsp 1.937.989/SP)
Neste primeiro marco, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a escolha deliberada de marca registrada de concorrente como palavra-chave em links patrocinados configura ato ilícito, por violar os direitos de propriedade industrial.
“Todavia, infringe a legislação de propriedade industrial aquele que elege como palavra-chave, em links patrocinados, marcas registradas por um concorrente [...]”.
Ainda que a decisão não tenha abordado de forma expressa o instituto da negativação, pode-se extrair do julgado que a ilicitude estaria atrelada a uma conduta comissiva — a eleição e contratação ativa da palavra-chave protegida. Dessa forma, abriu-se margem interpretativa para compreender que a omissão em negativar, por si só, não configuraria infração.
08.08.2023 – Elemento essencial: a contratação ativa (STJ – REsp 2.032.932/SP)
No ano seguinte, o STJ reafirmou e aprofundou sua compreensão ao reconhecer que a compra da palavra-chave correspondente à marca registrada é requisito indispensável para caracterização da concorrência desleal:
“A contratação de links patrocinados, em regra, caracteriza concorrência desleal quando: (i) a ferramenta Google Ads é utilizada para a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada ou a nome empresarial [...]”.
Com isso, o Tribunal novamente indicou que a ilicitude exige uma conduta positiva por parte do anunciante. Embora o tema da negativação não tenha sido enfrentado diretamente, infere-se que a ausência de contratação ativa não daria ensejo à responsabilização jurídica.
29.01.2025 – Afastamento expresso da exigência de negativação (TJSP – Apelação Cível 1046865-55.2023.8.26.0100)
Em um avanço significativo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) enfrentou de maneira direta a questão envolvendo a negativação de marcas de terceiros, consolidando entendimento relevante sobre o tema.
“Nesse contexto, no caso de resultados orgânicos, não há configuração de concorrência desleal, pois não houve a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada [...]”.
Com esse posicionamento, o TJSP afirmou de forma expressa que, se não houver aquisição da marca como palavra-chave, o simples aparecimento do anúncio em resultados orgânicos não é capaz de configurar infração à legislação. Consequentemente, não se exige do anunciante a adoção de medidas proativas de negativação de marcas de terceiros, sendo tal conduta facultativa, e não obrigatória.
Conclusão
A análise evolutiva da jurisprudência evidencia que o entendimento do Poder Judiciário brasileiro avançou de uma posição implícita — que apenas permitia deduções sobre a conduta esperada dos anunciantes — para um posicionamento claro e expresso. As decisões proferidas entre 2022 e 2023 sugeriam, com base na ênfase na contratação ativa da marca, que a negativação não seria juridicamente exigida. Todavia, somente em 2024, com o julgamento do TJSP, consolidou-se um precedente específico no sentido de que inexiste obrigação legal de negativar marcas de concorrentes.
A posição atual do Judiciário é inequívoca: desde que não haja compra ativa da marca de terceiros como palavra-chave em anúncios patrocinados, não se configura ato ilícito, mesmo que o anúncio venha a ser exibido como resultado orgânico em buscas relacionadas.
Dessa forma, é fundamental que departamentos jurídicos, agências de marketing e anunciantes estejam atentos aos entendimentos jurisprudenciais mais recentes sobre o assunto, de modo a alinhar suas estratégias de publicidade com os parâmetros legais vigentes, aproveitando as oportunidades disponíveis e evitando riscos jurídicos desnecessários.
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