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Os concursos culturais e a Portaria 422/2013 do Ministério do Estado da Fazenda: o que realmente mud


I. Breve histórico

1.1. Até meados de julho de 2013, apenas a Lei 5.768/1971 e o Decreto 70.951/1972 regulavam a realização dos chamados Concursos Culturais. Nessa oportunidade, a legislação vigente determinava que não dependia de autorização(01) da Caixa Econômica Federal (CEF) e/ou da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, desde que não houvesse subordinação a qualquer modalidade de álea (sorte) e/ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço. 1.2. As dúvidas que a legislação descrita no parágrafo anterior provocava e o uso reiteradamente desvirtuado do Concurso Cultural demandaram uma normatização complementar do instituto, dando origem, em 22 de julho de 2013, à Portaria 422/2013 do Ministério do Estado da Fazenda. 1.3. A rigor, a Portaria deveria apenas regulamentar aquilo que já estava previsto na legislação, facilitando o entendimento do público e dando interpretação correta às normas até então vigentes. Contudo, a Portaria parece ter extrapolado à sua função, criando restrições adicionais à realização de Concursos Culturais. Nesse passo, a Portaria elenca características que, uma vez presentes, descaracterizam o concurso como sendo exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo e, dessa forma, o sujeitam à autorização prévia da CFE e/ou da SEAE. 1.4. Diante do panorama acima, e também em prol da didática, dividimos este estudo em dois principais blocos, sendo o primeiro dedicado à legislação que sempre regulou a matéria e o segundo a um detalhamento das novas restrições impostas pela Portaria 422 do Ministério do Estado da Fazenda. II. A Lei 5.768/1971 e o Decreto 70.951/1972 2.1. O artigo 3º, inciso I, da Lei 5.768/1971(02), e o artigo 30 do Decreto 70.951/1972(03) determinam que não há necessidade de autorização prévia para a efetivação de concursos destinados a premiar talentos artísticos ou esportivos, ou, simplesmente, oferecer lazer (e.g. concursos literários, fotográficos, cinematográficos, desportivos etc.). 2.2. Em suma, para ser considerado cultural o concurso deveria cumprir, cumulativamente, quatro principais pressupostos: (i) ser exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo; (ii) não estar subordinado à sorte; (iii) ser gratuito; (iv) não sujeitar participantes à aquisição ou uso de bem ou serviço. 2.3. Para ser exclusivamente cultural, o concurso não pode envolver a divulgação de qualquer produto ou serviço, ressalvada a mera identificação da empresa promotora. Nesse sentido, concursos do tipo -as dez melhores frases sobre a marca XYZ serão premiadas - ou que promovam produtos em seus materiais de divulgação deixam de ser exclusivamente culturais e, como tal, passam a se sujeitar à autorização prévia da CEF. 2.4. Já em relação à sorte, o critério também era bastante rigoroso, de forma que qualquer tipo de álea na mecânica do concurso era suficiente para que o concurso deixasse de ser considerado um Concurso Cultural. Dessa forma, a premiação dos Concursos Culturais deveria ser obtida somente em razão de mérito. O mesmo ocorre com a gratuidade, que impossibilitava o promotor de Concurso Cultural de cobrar qualquer valor dos participantes. 2.5. Por fim, o legislador tratou de afastar a possibilidade de que o Concurso Cultural fosse utilizado para alavancar venda ou uso de um produto ou serviço, impedindo que Concursos Culturais vinculassem participantes ou premiados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço (e.g. podem participar deste concurso todas as pessoas que chegarem ao estabelecimento com um produto XYZ). 2.6. Respeitados os pressupostos acima, o concurso poderia ser caracterizado como Concurso Cultural, dispensando assim o burocrático procedimento de autorização, ao qual as demais formas de distribuição gratuita de prêmios estão sujeitas. III. A nova Portaria 422/2013 do Ministério do Estado da Fazenda 3.1. Como dito anteriormente, a Portaria 422/2013 veio para melhor regular e interpretar a legislação anterior, de sorte que deveria tão somente esmiuçar os pressupostos até então exigidos pelo legislador, transformando-os em situações práticas para um melhor entendimento do public(04). 3.2. Todavia, a Portaria, além de cumprir seu objetivo, adicionou novas restrições à realização de Concursos Culturais (desvinculadas daquelas que já existiam), despertando inclusive dúvidas na comunidade jurídica em relação à sua validade. 3.3. De todo modo, como a Portaria é recente e ainda não existem decisões flexibilizando sua interpretação, no momento é mais seguro respeitar todas as restrições por ela impostas no artigo 2º, as quais seguem detalhadas abaixo: Art. 2º Fica descaracterizado como exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo o concurso em que se consumar a presença ou a ocorrência de ao menos um dos seguintes elementos, além de outros, na medida em que configurem o intuito de promoção comercial: - importe em propaganda da promotora ou de algum de seus produtos ou serviços, bem como de terceiro, nos materiais de divulgação em qualquer canal ou meio, ressalvada a mera identificação da promotora do concurso (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais deveriam ser exclusivamente culturais.) - importe na divulgação de marca, nome, produto, serviço, atividade ou outro elemento de identificação da empresa promotora, ou de terceiros, no material a ser produzido pelo participante ou na mecânica do concurso, vedada, ainda, a identificação no nome ou chamada da promoção (comentário: restrição já parcialmente prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais deveriam ser exclusivamente culturais. Entretanto, não existia impedimento em relação ao uso da denominação da promotora do concurso no nome do concurso ou na chamada da promoção. Por exemplo: concurso XYZ de fotografia.) - esteja subordinado a alguma modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, em qualquer fase do concurso (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais não poderiam estar subordinados à sorte.) - importe em vinculação dos concorrentes ou dos contemplados com premiação à aquisição ou uso de algum bem, direito ou serviço (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais não poderiam vincular participantes ou premiados ao uso ou aquisição de qualquer bem, direito ou serviço.) - haja exposição do participante a produtos, serviço ou marcas da promotora ou de terceiros, em qualquer meio (comentário: restrição já parcialmente prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais deveriam ser exclusivamente culturais. Entretanto, nos parece que a marca corporativa da promotora deveria ter sido excetuada dessa restrição, até para que seja possível identificar a promotora, nos termos da primeira restrição descrita acima.) - importe em adivinhação (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais não poderiam estar subordinados à sorte.) - seja divulgado na embalagem de produto da promotora ou de terceiros (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais deveriam ser exclusivamente culturais). - exija o preenchimento de cadastro detalhado, ou resposta a pesquisas, e de aceitação de recebimento de material publicitário de qualquer natureza (comentário: considerando que pesquisas e cadastros tem normalmente um objetivo comercial, pode-se entender que a restrição já estava prevista na legislação anterior, que determina que Concursos Culturais devem ser exclusivamente culturais.) - a premiação envolva produto ou serviço da promotora (comentário: restrição que nos parece totalmente nova e, portanto, passível de questionamento por extrapolar o escopo da Portaria.) - seja realizado em rede social, permitida apenas sua divulgação no referido meio (comentário: restrição que pode ser considerada uma interpretação da proibição já existente no tocante à impossibilidade de obrigar o participante a usar um serviço - no caso, a própria rede social.) - seja realizado por meio televisivo, mediante participação onerosa (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais deveriam ser obrigatoriamente gratuitos.) - seja vinculado a evento e datas comemorativas, como campeonatos esportivos, Dia das Mães, Natal, Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Dia das Crianças, aniversário de Estado, de Município ou do Distrito Federal e demais hipóteses congêneres (comentário: restrição que tem por objetivo afastar o caráter promocional dos Concursos Culturais. Como, entretanto, podem existir concursos que, embora sem caráter comercial, estejam vinculados a datas comemorativas, entendemos que a restrição é nova e, portanto, está sujeita a questionamentos por extrapolar o escopo da Portaria.) - em que a inscrição ou participação for efetuada por meio de ligações telefônicas ou de serviço de mensagens curtas (SMS) oferecido por operadora de telefonia móvel (celular) (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concurso Culturais não poderiam exigir do participante o uso de algum serviço - no caso, o de telefonia celular) - em que a inscrição ou participação for subordinada à adimplência com relação a produto ou serviço ofertado pela promotora ou terceiros (comentário: restrição já prevista na legislação anterior, que determinava que Concursos Culturais deveriam ser gratuitos e não poderiam exigir qualquer pagamento por parte dos participantes.) - em que a inscrição ou participação for exclusiva para clientes da promotora ou de terceiros (comentário: Restrição que gera dupla interpretação. Por um lado, é possível imaginar que essa restrição seja uma interpretação da proibição já existente em relação à obrigatoriedade de uso ou aquisição de bem ou serviço. Por outro, se o concurso é direcionado a um grupo fechado de participantes, em tese não haveria captação da poupança popular e, portanto, nem a Lei 5.768/1971 e nem o Decreto 70.951/1972 seriam aplicáveis ao caso.) 3.4. Portanto, todas as restrições acima devem ser somadas àquelas já existentes para dar o contorno e os limites atuais dos Concursos Culturais, cuja autorização da CFE ou da SEAE é legalmente dispensada. Nos demais casos de distribuição gratuita de prêmios, a operação deve ser precedida de autorização, sob pena de sujeitar a promotora às penas abaixo listadas: - multa de 100% do valor total dos prêmios prometidos na operação realizada sem autorização ou de até 100 vezes o maior salário mínimo vigente no País; - proibição de realizar promoções comerciais durante o prazo de até 5 anos; - perda dos bens prometidos como prêmio. 3.5. Tais penalidades somente serão aplicadas nos casos em que as empresas forem efetivamente fiscalizadas e autuadas pelos órgãos competentes. IV. Conclusão 4.1. Diante do exposto, acreditamos que a Portaria 422/13 extrapolou os limites estabelecidos na Lei 5.768/1971 e no Decreto 70.951/1972 e, portanto, é passível de questionamentos em relação a algumas das restrições impostas. Todavia, enquanto a presente Portaria estiver vigente e não houver posicionamento definitivo do judiciário, da CFE ou da SEAE, recomendamos que, no caso de realização de concursos em redes sociais e/ou que se enquadrem em alguma das restrições expostas anteriormente, a promotora solicite autorização junto aos órgãos competentes, evitando autuações e penalidades. (01) Em regra, toda distribuição gratuita de prêmios mediante concurso, sorteio, vale-brinde ou operação similar depende de autorização da CFE ou da SEAE. Isso, pois o legislador optou por admitir uma interferência da administração pública em todas as atividades, especialmente promocionais, que tenham o intuito de captar a poupança popular. (02) Art. 3º - Independe de autorização, não se lhes aplicando o disposto nos artigos anteriores: (...) II - a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, não subordinado a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço. (03) Art. 30 - Independe de autorização a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, desde que não haja subordinação a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço. (04) O próprio enunciado da Portaria 422/2013 ratifica que a norma: Identifica hipóteses de comprometimento do caráter exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo de concurso destinado à distribuição gratuita de prêmios a que se referem a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, e o Decreto nº 70.951, de 9 de agosto de 1972. Referências Legais: Lei 5.768/71 - Distribuição gratuita de prêmios http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5768.htm Decreto 70.951/72 - Regulamenta a distribuição gratuita de prêmios http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D70951.htm Portaria 422/2013 - Identifica hipóteses que descaracterizam concursos culturais http://www.fazenda.gov.br/portugues/legislacao/portarias/2013/portaria422.asp

Diogo Dias Teixeira e Mariana Patané

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